DOMINÓ DOS ESCRITORES PAN-AFRICANISTAS
- lppeuerj
- 16 de jun.
- 4 min de leitura
Claudia Patrícia de Oliveira Costa[1]
Este pequeno texto se propõe a apresentar uma experiência de confecção coletiva de produto didático, usando como ponto de partida o material intitulado “Escritores pan-africanistas: ideias e lutas. Alternativas para o ensino de História”, disponibilizado na página virtual do Laboratório de Pesquisa e Práticas de Ensino em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LPPE/Uerj). Tal material consiste em verbetes biográficos sobre sete expoentes do pensamento pan-africanista, que são acompanhados por episódios em áudio, gravados para o Podcast História Presente, criado pelo mesmo laboratório. Na apresentação dos verbetes, evidencia-se o objetivo desse, dentre os muitos projetos do LPPE voltados para as conexões entre universidade e a educação básica:
A ideia é disponibilizar nesse material, voltado à educação básica e destinado ao uso de professores e alunos, aspectos do fenômeno do pan-africanismo, um movimento complexo, dinâmico e multifacetado. Ao longo de seu percurso, diversas vozes se fizeram ouvir e diferentes tons foram assumidos por seus principais líderes. Por vezes mais assentado no tema racial, noutras na questão política da libertação, e ainda outras no projeto político de integração do continente africano. [2]
A proposta de transformar esse rico material em produto didático surgiu de uma conversa informal com Jacqueline Ventapane, então membro do laboratório. Corria o segundo semestre de 2023, ano em que eu me despedia das aulas de História com turmas do 3º ano do Ensino Médio, dadas as alterações curriculares promovidas pela implantação do Novo Ensino Médio. Essas mudanças significaram a retirada de História e de outras disciplinas, como Geografia, Filosofia, Biologia, Química e Física, da grade de horário do último ano de formação desse segmento, na rede pública estadual de educação do Rio de Janeiro. Porém, no currículo de então, ainda usávamos o século XX como recorte cronológico para a abordagem dos eventos canônicos da história ensinada. Desse modo, o último bimestre seria dedicado à análise do contexto da Guerra Fria e seus impactos no mundo contemporâneo. O 4º bimestre letivo também assinala, no Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, lócus onde essa experiência foi realizada, a ocorrência de projeto interno que culmina na Semana da Consciência Negra, em novembro. Essas foram as circunstâncias que me levaram a pensar em uma atividade que usasse elementos do pensamento dos escritores pan-africanistas em articulação com os processos de independência dos países africanos, conflitos que impactaram e foram impactados pelas disputas que marcaram o período da Guerra Fria.
Ao ficar responsável por orientar a turma 3001 daquele ano, no trabalho que deveria ser apresentado na culminância do citado projeto, decidi transformar o material biográfico sobre os escritores pan-africanistas em um jogo de dominó no qual as fotos de W. E. B Du Bois, Frantz Fanon, Aimé Césaire, Cheikh Anta Diop, Léopold Senghor, Marcus Garvey e Kwame Nkrumah deveriam ser combinadas com fatos a respeito das trajetórias de vida dos mesmos, de acordo com as tradicionais regras do jogo. A me ajudar nessa tarefa, pude contar com a valiosa participação do bolsista do Projeto de Prodocência/Uerj “Usos do (auto)biográfico e Educação antirracista: uma proposta de intervenção”, Felipe Lima. Esse projeto, coordenado pela professora Lívia Beatriz vem sendo realizado no Colégio Estadual Professor José de Souza Marques desde o final do ano de 2022, contando com a atuação de três bolsistas que, sob minha supervisão, vêm fazendo intervenções com diversas turmas, ao longo das aulas, no sentido de promover reflexões e produzir coletivamente, materiais didáticos que, como o dominó dos pan-africanistas, se encontram relacionados à proposta do projeto: avaliar o potencial dos usos do biográfico para o ensino de história.
A partir de então, a turma foi dividida em sete grupos, cada um responsável por pesquisar a biografia de um dos escritores pan-africanistas relacionados e selecionar sete fatos que julgassem significativos em suas trajetórias de vida, a fim de compor as peças do dominó. Foi ainda solicitado, que cada grupo produzisse cartazes em que se destacassem os mesmos fatos e imagens dos biografados. O objetivo era fazer uma exposição sobre os escritores na qual os visitantes pudessem ter contato e conhecer um pouco do movimento pan-africanista e das contribuições dos sete expoentes, com a mediação dos estudantes. Esses foram, ainda, orientados a transformar os episódios do podcast em QRCodes, que foram impressos e colocados nos cartazes, de modo a tornar o conteúdo da exposição ainda mais acessível aos visitantes, antes de convidá-los a participar do jogo.
A experiência com a confecção desse jogo revelou-se como instigante prática pedagógica que privilegiou o lúdico e o protagonismo juvenil para, a partir do potencial de histórias de vida, produzir sentidos sobre conteúdos que eram canônicos para o currículo do ensino de história do Ensino Médio. Destaco, ainda, a reprodutibilidade dessa atividade, pois, além do dominó ser um jogo popular, cujas regras são facilmente reconhecidas, os materiais usados na confecção dos cartazes e peças do jogo são de fácil acesso e baixo custo. Para o Dominó dos Pan-Africanistas, utilizamos basicamente folhas de cartolina, papel A4, tesoura e cola. Desse modo, considero possível que o recurso da produção de jogos, particularmente o dominó[3], possa ser mobilizado para diversos contextos escolares, usando o biográfico como ponto de partida para encetar reflexões sobre períodos históricos consagrados nos currículos escolares.
[1] Doutora em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora de História da rede pública estadual do Rio de Janeiro. Pesquisadora vinculada ao Laboratório de Pesquisa e Práticas de Ensino em História (LPPE/Uerj), ao Núcleo de Estudos sobre Biografia, História, Ensino e Subjetividades (Nubhes/Uerj) e ao Laboratório de Ensino de História e Patrimônio Cultural (LEEHPaC/PUC-Rio).
[2] Disponível em: https://lppe.uerj.br/pan-africanistas . Acesso em: 21/09/2024.
[3] Desde então, além do Dominó dos Pan-Africanistas, já produzi com outras turmas, de outras séries e outras escolas, um Dominó das Rainhas Africanas e um Dominó dos Primeiros Cientistas.
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